O milanês Cesare Beccaria (1738-1794) foi um jurista e figura importante para o humanismo, tendo alcançando prestígio por suas ousadas ideias na época conhecida como Iluminismo, isso se deve, também ao livro “Dos delitos e das penas”, obra que vamos resumir em seguida.
Essa influência levou o jurista a repensar a forma como ocorriam os julgamentos de presos. Dessas reflexões surgem importantes pensamentos que o colocam, hoje, como o fundador do direito penal.
Até então, os crimes eram punidos com grande rigor, sendo comum penas de morte, torturas e humilhações que passam ao largo do estatuto do direito e da ética. Essa prática era extremamente aceita socialmente pois não se conheciam outras maneiras de punir os infratores.
Ao equiparar justiça com vingança e questionar os limites do que as autoridades devem fazer, abriu-se um longo debate, proporcionando maior racionalidade ao assunto, conforme se procurava na época em todas as áreas humanas.
Aqui também vale destacar que Beccaria era profundamente influenciado por pensadores contemporâneos como Voltaire, Montesquieu e Rousseau, por exemplo.
O Mural dos Livros vai dar um breve resumo e comentários de sua importante obra para o direito penal.
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O direito penal antes e depois de Cesare Beccaria
Com sua obra “Dos delitos e das penas”, o direito penal e o próprio poder legislativo tiveram de fazer uma autocrítica. Leis gerais e leis criminais, poderes, contrato social, delito, penas e abusos, função e limites do Estado, tudo entrou em análise.
Para que o sistema e as nações pudessem se desenvolver eticamente, economicamente e socialmente, as leis precisavam passar a funcionar do modo mais próximo da justiça para a qual foram formuladas, ou não haveria sentido em escrevê-las.
Ainda que, na prática, uma lei que presuma a inocência até que se prove o contrário, ou não se vingue imediatamente de um pressuposto criminoso, possa permitir alguma reincidência, ela deve correr este risco para que elimine o risco de permitir alguma injustiça.
Resumo do livro “Dos delitos e das penas”
Vamos ver, finalmente, nos próximos tópicos, o resumo do livro “Dos delitos e das penas”. Esperamos poder ajudar a entender mais sobre esta obra que é uma das maiores para quem estuda direito ou se interessa pelo assunto.
O fim da pena de morte e outros benefícios para a sociedade
Beccaria trouxe para a discussão jurídica estas reflexões filosóficas e, assim, assegurou um espaço para o progressismo poder discutir os direitos humanos.
As questões ainda continuam atuando nas sociedades, como no Brasil, onde os direitos humanos são fonte de acaloradas opiniões, com debate entre esquerda e direita.
Mas é bom lembrar que, à época, pelo século XVIII, os governos eram em sua maioria despóticos, ditatoriais. Fossem reis ou parlamentares a darem as ordens, os crimes acarretavam execuções muitas vezes sumárias. Quando alguém caía em desgraça perante o público, os julgamentos eram praticamente nulos.
Se uma nação entende que todo criminoso é “lixo”, a defensoria pública vai trabalhar em desfavor do réu, os advogados terão menos chance, a polícia matará mais, e assim por diante. Além de facilitar crimes e cultivar o estado policial.
É importante que a lei defina as atribuições de cada poder e possa dosar e tipificar cada crime e consequência (pena) de acordo com suas circunstâncias.
Pensador da lei, do crime e da sociedade
Beccaria observou também que o crime é um ato irracional da parte do criminoso. Quer dizer, a partir de um raciocínio deficiente, que entende que dará certo ou que não será punido, o criminoso escolhe pelo ato que resulta em sua punição.
Para mostrar que o crime é um ato irracional, o autor entende que o estado deve demonstrar de forma justa e célere (rápida) o efeito punitivo que se volta contra o agente, porém, deve haver um processo público e respeitando a legalidade.
Se a educação pudesse atender a todos e dar a condição do criminoso construir um raciocínio que servisse de impedimento ao crime, o Estado funcionaria a partir da base, mas tal intento até hoje tem se mostrado ineficaz.
Observando ainda o aspecto econômico e ineficaz do Estado no combate à pobreza, nota-se que as causas que implicam no desespero que influencia a decisão do agente criminoso estão atuando permanentemente.
Dos delitos e das penas
Em 1764, o texto de Beccaria foi lançado, de modo anônimo, até que o autor se sentisse seguro para assumir a autoria. Contra este tipo de sistema abusivo e censurador que ele se voltava. A mesma censura à expressão funcionava de modo muito mais eficaz contra pessoas destituídas dos seus direitos.
Para retirar os direitos de um cidadão “suspeito”, bastava imputar-lhe algum crime, ou mesmo suspeita, e muitas vezes o inocente passava de inocente a vilão em instantes, sem processo legal oficial.
Ao mesmo tempo, para muitos casos, não haviam dispositivos legais que protegessem contra a tortura. A tortura institucional era comum, sendo uma forma bizarra e absurda de se obter confissões.
Em 1776, devido à influência do texto, Maria Teresa da Áustria aboliu a tortura em seu país.
No mesmo ano, no império russo, a imperatriz Catarina II ordenou que se incluísse no código criminal da nação.
Justiça além do poder instituído
Esta forte repercussão e influência que o texto atingiu se deve pela coragem de ter feito frente à igreja e aos Estados governados por autoridades reais, em sua maioria. Nesta época, um cidadão comum que caísse em desgraça frente à autoridade maior, poderia ser facilmente, e “justamente”, eliminado.
Para poder demonstrar a todos a injustiça de se crer em leis autoritárias e desumanas, foi preciso muita habilidade retórica. Até porque apenas pessoas poderosas e intelectuais tinham acesso aos textos, ou qualquer possibilidade de fazê-los ecoar.
É sugerido explicitamente a composição de novos códigos, e explicado o porquê da necessidade. Inspirado pela obra “Contrato social” de Rousseau e “O espírito das leis” de Montesquieu, inspira-se na ideia do pacto social para falar dos direitos coletivos, em prol da sociedade.
Daí, acusa o criminoso de ter cometido um crime contra o Estado, que é o coletivo, mas que conta como um grupo de indivíduos, um “sujeito” agredido e que tem o seu direito de reação. O bem público depende da harmonia de cidadãos que obedeçam ao princípio da legalidade, mas o mesmo cabe ao Estado cumprir.
Sobre o dever do Estado, o autor não deixa passar a crítica aos monarcas, que declara não serem possuidores de um direito adquirido de promulgar leis. Que os poderes discricionários não poderiam gerar abusos. Tal tarefa deve caber aos Magistrados, e partindo de disposições morais que tenham respaldo na literatura jurídica.
Assim sendo, o direito de punir é uma tarefa que passa pelo poder judiciário e termina pelo executivo. A salvação pública não é tarefa do monarca, mas se constrói com a própria sociedade.
Muito do que foi discutido e revisto no texto permitiu a reavaliação de injustiças e impedimento de má fé pela parte de autoridades corruptas e truculentas, o que provocou a ira de muita gente poderosa.
Princípios morais
Este ponto do texto é importante e demonstra como Beccaria vê a moralidade. Observa três fontes de onde vêm os princípios morais e políticos: lei natural, revelação e convenções artificiais da sociedade.
Compreende também três formas de justiça: a justiça divina, a justiça natural e a justiça humana ou política. A justiça humana fica atrelada ao comportamento temporal da sociedade. Contudo, a justiça natural e a divina partem de princípios imutáveis.
Admitindo esta constituição das leis morais (que na época ainda não ousava contestar uma lei soberana e divina, somente da Igreja comandada por homens), explica a necessidade da punição e seu acordo com a justiça e a ordem universal de Deus, da natureza e dos homens.
É importante perceber que, embora tenha sido um humanista preocupado em dotar a lei de direitos justos e proporcionais, tornando-a mais científica, o autor não deve ser visto como muito tolerante. Ao apresentar princípios para uma justiça efetiva, o rigor é claro:
- A punição que segue o crime deve ser inevitável: o perdão a um crime tem o mesmo valor de um incentivo à reincidência;
- Consistência: que a punição seja proporcional ao crime e que os termos estejam ao máximo explícitos e deem margem de cálculo, assim, os juízes podem pautar suas decisões sem equívocos ou grandes discrepâncias;
- Proporcionalidade: seguindo a premissa de proteger a sociedade, que a pena seja cumprida no devido rigor, e a execução não produza prejuízo maior à sociedade que o crime punido. A importância de punir não deve ultrapassar a importância do meio;
- Celeridade: a punição deveria acontecer o mais rápido possível, tendo em vista a demonstração do poder de resposta e implacabilidade do poder público frente ao criminoso. Desta forma, entendia o autor, não haveria tempo para a formação de um novo impulso criminoso, nem a construção de narrativas que gerassem desgaste do processo.
Assim sendo, deu-se origem a novas frentes de estudos que ajudaram a reformular a legislação e o objetivo de segurança em muitas nações.
A função da prisão, o fato criminal, constituição federal e código penal, interpretação das leis, origem das penas, interesse público e os deveres de cada homem puderam ser melhor compreendidos com os esclarecimentos oferecidos neste livro.
Apesar de tratar uma gama de assuntos amplos do direito, o livro é enxuto e tem uma linguagem acessível.
Liberdade e Justiça: estamos apenas engatinhando
Apesar do texto ter mais de duzentos anos, ao fazer a leitura, você poderá achar muita coisa atual, como se estivesse discutindo nossa sociedade. Pois é. A polêmica “segurança pública”, que hoje se mistura com discursos que refletem sobre a guerra das classes, é um problema que ainda está longe de ser resolvido.
Se antigamente a autoridade de tiranos era desafiada, hoje se pensa no poder inibidor, censurador e autoritário do sistema todo, um problema de todos, que nos alimenta e oprime. Dar nome aos bois está cada vez mais difícil. Encontrar material de estudo comprometido com a verdade também não está fácil.
Todo político parece ter boa fé e uma solução imediata, enquanto o poder estatal apenas aumenta, como máquina punitiva, extrativista e empobrecedora do indivíduo. É importante descobrirmos o que está por trás deste jogo, questionar e desafiar.
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Até a próxima e boa leitura!