O milanês Cesare Beccaria foi um jurista e figura importante para o humanismo, tendo alcançando prestígio por suas ousadas ideias na época conhecida como Iluminismo.
Até então, os crimes eram punidos com grande rigor, sendo comum penas de morte, torturas e humilhações que passam ao largo do estatuto do direito e da ética.
Ao equiparar justiça com vingança e questionar os limites do que as autoridades devem fazer, abriu-se um longo debate, proporcionando maior racionalidade ao assunto, conforme se procurava na época em todas as áreas humanas.
O Mural dos Livros vai dar um breve resumo e comentários de sua importante obra para o direito penal.
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O direito penal antes e depois de Cesare Beccaria
Com sua obra “Dos delitos e das penas”, o direito penal e o próprio poder legislativo tiveram de fazer uma autocrítica. Leis gerais e leis criminais, poderes, contrato social, delito, penas e abusos, função e limites do Estado, tudo entrou em análise.
Para que o sistema e as nações pudessem se desenvolver eticamente, economicamente e socialmente, as leis precisavam passar a funcionar do modo mais próximo da justiça para a qual foram formuladas, ou não haveria sentido em escrevê-las.
Ainda que, na prática, uma lei que presuma a inocência até que se prove o contrário, ou não se vingue imediatamente de um pressuposto criminoso, possa permitir alguma reincidência, ela deve correr este risco para que elimine o risco de permitir alguma injustiça.
Resumo do livro “Dos delitos e das penas”
Vamos ver, nos próximos tópicos, o resumo do livro “Dos delitos e das penas”.
O fim da pena de morte e outros benefícios para a sociedade
Beccaria trouxe para a discussão jurídica estas reflexões filosóficas e, assim, assegurou um espaço para o progressismo poder discutir os direitos humanos.
As questões ainda continuam atuando nas sociedades, como no Brasil, onde os direitos humanos são fonte de acaloradas opiniões, com debate entre esquerda e direita.
Mas é bom lembrar que, à época, pelo século XVIII, os governos eram em sua maioria despóticos, ditatoriais. Fossem reis ou parlamentares a darem as ordens, os crimes acarretavam execuções muitas vezes sumárias. Quando alguém caía em desgraça perante o público, os julgamentos eram praticamente nulos.
Se uma nação entende que todo criminoso é “lixo”, a defensoria pública vai trabalhar em desfavor do réu, os advogados terão menos chance, a polícia matará mais, e assim por diante. Além de facilitar crimes e cultivar o estado policial.
É importante que a lei defina as atribuições de cada poder e possa dosar e tipificar cada crime e consequência (pena) de acordo com suas circunstâncias.
Pensador da lei, do crime e da sociedade
Beccaria observou também que o crime é um ato irracional da parte do criminoso. Quer dizer, a partir de um raciocínio deficiente, que entende que dará certo ou que não será punido, o criminoso escolhe pelo ato que resulta em sua punição.
Para mostrar que o crime é um ato irracional, o autor entende que o estado deve demonstrar de forma justa e célere (rápida) o efeito punitivo que se volta contra o agente, porém, deve haver um processo público e respeitando a legalidade.
Se a educação pudesse atender a todos e dar a condição do criminoso construir um raciocínio que servisse de impedimento ao crime, o Estado funcionaria a partir da base, mas tal intento até hoje tem se mostrado ineficaz.
Observando ainda o aspecto econômico e ineficaz do Estado no combate à pobreza, nota-se que as causas que implicam no desespero que influencia a decisão do agente criminoso estão atuando permanentemente.
Dos delitos e das penas
Em 1764, o texto de Beccaria foi lançado, de modo anônimo, até que o autor se sentisse seguro para assumir a autoria. Contra este tipo de sistema abusivo e censurador que ele se voltava. A mesma censura à expressão funcionava de modo muito mais eficaz contra pessoas destituídas dos seus direitos.
Para retirar os direitos de um cidadão “suspeito”, bastava imputar-lhe algum crime, ou mesmo suspeita, e muitas vezes o inocente passava de inocente a vilão em instantes, sem processo legal oficial.
Ao mesmo tempo, para muitos casos, não haviam dispositivos legais que protegessem contra a tortura. A tortura institucional era comum, sendo uma forma bizarra e absurda de se obter confissões.
Em 1776, devido à influência do texto, Maria Teresa da Áustria aboliu a tortura em seu país.
No mesmo ano, no império russo, a imperatriz Catarina II ordenou que se incluísse no código criminal da nação.
Justiça além do poder instituído
Esta forte repercussão e influência que o texto atingiu se deve pela coragem de ter feito frente à igreja e aos Estados governados por autoridades reais, em sua maioria. Nesta época, um cidadão comum que caísse em desgraça frente à autoridade maior, poderia ser facilmente, e “justamente”, eliminado.
Para poder demonstrar a todos a injustiça de se crer em leis autoritárias e desumanas, foi preciso muita habilidade retórica. Até porque apenas pessoas poderosas e intelectuais tinham acesso aos textos, ou qualquer possibilidade de fazê-los ecoar.
É sugerido explicitamente a composição de novos códigos, e explicado o porquê da necessidade. Inspirado pela obra “Contrato social” de Rousseau e “O espírito das leis” de Montesquieu, inspira-se na ideia do pacto social para falar dos direitos coletivos, em prol da sociedade.
Daí, acusa o criminoso de ter cometido um crime contra o Estado, que é o coletivo, mas que conta como um grupo de indivíduos, um “sujeito” agredido e que tem o seu direito de reação. O bem público depende da harmonia de cidadãos que obedeçam ao princípio da legalidade, mas o mesmo cabe ao Estado cumprir.
Sobre o dever do Estado, o autor não deixa passar a crítica aos monarcas, que declara não serem possuidores de um direito adquirido de promulgar leis. Que os poderes discricionários não poderiam gerar abusos. Tal tarefa deve caber aos Magistrados, e partindo de disposições morais que tenham respaldo na literatura jurídica.
Assim sendo, o direito de punir é uma tarefa que passa pelo poder judiciário e termina pelo executivo. A salvação pública não é tarefa do monarca, mas se constrói com a própria sociedade.
Muito do que foi discutido e revisto no texto permitiu a reavaliação de injustiças e impedimento de má fé pela parte de autoridades corruptas e truculentas, o que provocou a ira de muita gente poderosa.
Princípios morais
Este ponto do texto é importante e demonstra como Beccaria vê a moralidade. Observa três fontes de onde vêm os princípios morais e políticos: lei natural, revelação e convenções artificiais da sociedade.
Compreende também três formas de justiça: a justiça divina, a justiça natural e a justiça humana ou política. A justiça humana fica atrelada ao comportamento temporal da sociedade. Contudo, a justiça natural e a divina partem de princípios imutáveis.
Admitindo esta constituição das leis morais (que na época ainda não ousava contestar uma lei soberana e divina, somente da Igreja comandada por homens), explica a necessidade da punição e seu acordo com a justiça e a ordem universal de Deus, da natureza e dos homens.
É importante perceber que, embora tenha sido um humanista preocupado em dotar a lei de direitos justos e proporcionais, tornando-a mais científica, o autor não deve ser visto como muito tolerante. Ao apresentar princípios para uma justiça efetiva, o rigor é claro:
- A punição que segue o crime deve ser inevitável: o perdão a um crime tem o mesmo valor de um incentivo à reincidência;
- Consistência: que a punição seja proporcional ao crime e que os termos estejam ao máximo explícitos e deem margem de cálculo, assim, os juízes podem pautar suas decisões sem equívocos ou grandes discrepâncias;
- Proporcionalidade: seguindo a premissa de proteger a sociedade, que a pena seja cumprida no devido rigor, e a execução não produza prejuízo maior à sociedade que o crime punido. A importância de punir não deve ultrapassar a importância do meio;
- Celeridade: a punição deveria acontecer o mais rápido possível, tendo em vista a demonstração do poder de resposta e implacabilidade do poder público frente ao criminoso. Desta forma, entendia o autor, não haveria tempo para a formação de um novo impulso criminoso, nem a construção de narrativas que gerassem desgaste do processo.
Assim sendo, deu-se origem a novas frentes de estudos que ajudaram a reformular a legislação e o objetivo de segurança em muitas nações.
A função da prisão, o fato criminal, constituição federal e código penal, interpretação das leis, origem das penas, interesse público e os deveres de cada homem puderam ser melhor compreendidos com os esclarecimentos oferecidos neste livro.
Apesar de tratar uma gama de assuntos amplos do direito, o livro é enxuto e tem uma linguagem acessível.
Liberdade e Justiça: estamos apenas engatinhando
Apesar do texto ter mais de duzentos anos, ao fazer a leitura, você poderá achar muita coisa atual, como se estivesse discutindo nossa sociedade. Pois é. A polêmica “segurança pública”, que hoje se mistura com discursos que refletem sobre a guerra das classes, é um problema que ainda está longe de ser resolvido.
Se antigamente a autoridade de tiranos era desafiada, hoje se pensa no poder inibidor, censurador e autoritário do sistema todo, um problema de todos, que nos alimenta e oprime. Dar nome aos bois está cada vez mais difícil. Encontrar material de estudo comprometido com a verdade também não está fácil.
Todo político parece ter boa fé e uma solução imediata, enquanto o poder estatal apenas aumenta, como máquina punitiva, extrativista e empobrecedora do indivíduo. É importante descobrirmos o que está por trás deste jogo, questionar e desafiar.
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Até a próxima e boa leitura!